sexta-feira, 27 de março de 2009

Diante do ato supostamente "em defesa da vida" na Praça da Sé - SP

Enquanto milhares de mulheres morrem todos os anos ensanguentadas e mutiladas na clandestinidade de abortos inseguros e insalubres, há aqueles que dizem que lutar contra o direito ao aborto significa defender a vida. Na linha de frente desta campanha está a Igreja, que considera a mulher como mãe e reprodutora, além de reprimir a sexualidade da mulher e o desfrute de seu prazer, ao mesmo tempo em que permanece calada e inerte diante dos crescentes casos de pedofilia e estupros envolvendo padres do mundo inteiro. Mas afinal, se defendem a vida, porque se opõe, então, à educação sexual e a utilização de métodos anticonceptivos que não somente evitam uma gravidez não desejada assim como também impedem a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis? Se defendem a vida do “feto”, porque permanecem calados diante da morte de tantas crianças por falta de comida, por falta de atendimento médico, por falta de água potável? Porque se empenham tanto em fazer campanha pra defender uma vida em abstrato enquanto permanecem calados diante da morte concreta de milhões de crianças, assassinadas, portanto, pelo próprio capitalismo?

Nós, do grupo de mulheres Pão e Rosas, lutamos por educação sexual em todos os níveis do ensino público desvinculada da fé religiosa para que as mulheres decidam sobre sua sexualidade e seu corpo. Lutamos por contraceptivos gratuitos e de qualidade para que nenhuma mulher necessite recorrer ao aborto. E lutamos pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito para que nenhuma mulher morra pela falta de acesso a uma simples cirurgia que pode evitar uma gravidez indesejada, seja fruto de violência ou não. Mas, ao mesmo tempo, nós lutamos pelo direito pleno à maternidade. Porque nessa sociedade capitalista de miséria, agonia e opressão, ainda que nos digam que somos “mães e reprodutoras por natureza”, o Estado não nos propicia as condições mínimas para desfrutarmos plenamente de uma gravidez, como saúde pública e de qualidade, educação pública, saneamento básico, moradia, alimentação, lazer e cultura.

As mulheres pobres e da classe trabalhadora sentem essas consequências de forma mais abrupta, e sabemos que com a piora da crise econômica, esses problemas sociais tendem a piorar, pois são sempre esses os primeiros orçamentos a serem cortados pelos governos, mesmo que para os capitalistas seja destinado uma quantia muito maior de dinheiro para salvá-los da crise. E isso significa que o capitalismo tenderá a empurrar ainda mais as mulheres ao aborto, enquanto o discurso em “defesa da vida” tomará proporções ainda mais reacionárias para nos obrigar a “desfrutar das alegrias da maternidade” mesmo contra nossa própria vontade. Mesmo que essa gravidez seja fruto de uma violência que marcará nossos corpos e mentes por toda a vida. Mesmo que seja em condições insalubres, e mesmo que possamos morrer. É isso que eles chamam de “defesa da vida”.

Sabemos que os direitos não se mendigam, se conquistam. Por isso rechaçamos o ato do dia 28/03 na Praça da Sé contra nossos direitos, e deve ser parte de nossa luta o enfrentamento com todos esses movimentos chamados “Por um Brasil sem Aborto” ou “Em defesa da Vida”, uma frente-única que vai desde a classe dominante, passando pela Igreja, e inclusive atingindo setores que se dizem de esquerda, como Heloísa Helena do PSOL. É preciso lutar contra a atrocidade dita pelo Arcebispo de Olinda, quando declarou que o “aborto é pior que o estupro”, naturalizando a violência sofrida por muitas jovens em nosso país. Vale lembrar que em 2010 o Brasil sediará o 3° Encontro Mundial Contra a Legalização do Aborto, por ser considerado um país modelo, tanto na mobilização, quanto na legislação, pela “suposta” defesa da vida.

Não aceitaremos. Chamamos as feministas da Marcha Mundial de Mulheres que repudiam os estupros no Pará e a posição escandalosa de Ana Júlia Carepa e que nesse 8 de março levantaram com força a bandeira da legalização do aborto a levar adiante uma verdadeira campanha pelo direito ao aborto, e também aquelas que rechaçam a CPI do Aborto dos deputados do PT. Chamamos também as companheiras do PSOL que estão contra a posição de Heloísa Helena, assim como as pequenas organizações feministas, os sindicatos, as mulheres perseguidas no Mato Grosso do Sul, os movimentos de direitos humanos, os partidos políticos, as companheiras católicas que têm fé religiosa mas não consideram que a Igreja enquanto instituição pode determinar nossas vidas, assim como todas as organizações que compõem a “Frente Nacional pelo fim da criminalização das mulheres e pela legalização do aborto” e, em especial, chamamos as companheiras do PSTU e da Conlutas, com as quais compartilhamos um ato comum no 8 de março, a impulsionar uma campanha imparável na luta pelos direitos das mulheres. Nós do Pão e Rosas, impulsionaremos uma campanha latino-americana, para combater, em todos os países da América Latina, a onda reacionária que combina governos “progressistas” e pós-neoliberais com a ideologia cristã para fazer retroceder as nossas conquistas e acabar com nossos direitos. Chega de mulheres mortas por abortos clandestinos! Pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito! Pelo direito à maternidade!

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